| Jorge Luis Totti, ascom Paysandu

Fair play financeiro surge como trunfo do Paysandu para mudar cenário

Em 2026, o Paysandu não só competirá na Série C em busca de uma vaga na Série B no ano seguinte, como também enfrentará um novo desafio institucional: ajustar sua gestão financeira e administrativa ao Sistema de Sustentabilidade Financeira (SSF) da CBF, também conhecido como fair play financeiro.

📷 Equipe jurídica do Paysandu é apresentada durante coletiva no Banpará Curuzu |Foto: Jorge Luís Totti/Paysandu

Diferentemente das Séries A e B, nas quais o programa começa a valer no ano de ingresso, a Série C terá um período de adaptação formal. As primeiras verificações oficiais de solvência e entrega de demonstrações ocorrerão somente em 2027. Isso faz com que o ano de 2026 seja um período exclusivo de preparação, em que o clube pode organizar sua casa antes de ser oficialmente cobrado.

Nesse cenário, o fair play financeiro pode representar não só um requisito regulatório, mas também uma chance estruturante para o Paysandu fortalecer uma administração mais organizada, transparente e sustentável. Contudo, conforme mencionado pelo DOL, a regulamentação pode ter efeitos prejudiciais para o clube se este não se adaptar ao novo modelo que entrará em vigor em 2026.

Nova diretoria do Paysandu tem a missão de “organizar a casa” em 2026. | Foto: Jorge Luís Totti/Paysandu

Diferentemente da Série A, na qual as responsabilidades do SSF entram em vigor imediatamente, a Série C possui um caráter preparatório em 2026. Isso implica que não haverá nenhuma verificação oficial de solvência em 2026, sendo a primeira agendada para 31 de março de 2027. Da mesma forma, a primeira entrega obrigatória da Demonstração Financeira referente ao ano-base 2026 deve ser realizada até o dia 30 de abril de 2027.

Esse cronograma proporciona ao Paysandu um período incomum: um tempo formal para estruturar documentos, aprimorar processos internos, renegociar dívidas e fortalecer a governança, sem o risco imediato de sanções regulatórias.

O advogado Bruno Castro é o novo diretor jurídico do Paysandu. | Foto: Jorge Luís Totti/Paysandu

Esse tempo de adaptação é crucial, pois o Papão tem enfrentado problemas financeiros nas últimas décadas devido a um passado marcado por modelos de gestão reativos e, frequentemente, improvisados. A Série C geralmente é considerada uma fase de reconstrução esportiva, porém, agora também se converte em um espaço de reestruturação institucional. O fair play financeiro surge exatamente para alterar essa dinâmica.

Ao exigir solvência, planejamento orçamentário e transparência, o SSF obriga clubes como o Paysandu a enfrentarem questões que, ao longo da história, costumavam ser adiadas:

  • contratos mal dimensionados,
  • folha salarial sem lastro de receita,
  • renegociação desorganizada de passivos,
  • falta de controle contábil atualizado.

Mais uma vez, o ano de 2026 não exigirá diretamente esses requisitos para os integrantes da Série C, mas servirá como um experimento interno de governança.

O paradoxo do fair play financeiro é que, em vez de perseguir clubes, ele desenvolve instrumentos para aqueles que desejam agir corretamente. Em março de 2027, durante a primeira avaliação oficial de solvência da Série C, se o Paysandu participar novamente do torneio, o clube precisará comprovar que:

  • nenhum salário ou obrigação trabalhista venceu sem pagamento;
  • direitos de atletas e comissão técnica foram quitados no prazo;
  • obrigações com terceiros ligados ao futebol estão em dia.

Além disso, em abril de 2027, deverá submeter as Demonstrações Financeiras completas do ano-base 2026, organizadas e padronizadas de acordo com as exigências do sistema. Dessa forma, o fair play financeiro não será um fantasma amedrontador, mas um objetivo que o clube pode alcançar ao se estruturar desde o início.

O fair play financeiro vai além de uma simples norma trata-se de uma cultura de gestão. No mundo dos negócios, as empresas que implementam práticas transparentes, controle rigoroso de custos e governança robusta geralmente conseguem enfrentar crises com mais eficácia. No futebol, atualmente, vive-se um período em que a estabilidade fora de campo é tão apreciada quanto o desempenho dentro dele.

Como o principal objetivo do Paysandu para 2026 é retornar à Série B, esse processo de governança e gestão responsável deve estar totalmente em conformidade com os requisitos estabelecidos no SSF. Portanto, conforme mencionado anteriormente, o clube não pode agir de maneira irresponsável durante a disputa da Série C, alegando que precisa sair da Terceirona. É necessário estar em conformidade com o fair play desde já, para evitar consequências e punições em uma possível volta, caso haja acesso.

Para o Paysandu, isso pode significar:

  • Mais capacidade de planejar temporadas completas, sem precisar resolver problemas emergenciais;
  • Redução de risco de passivos trabalhistas e fiscais, que corroem receitas;
  • Melhor relação com patrocinadores e parceiros, que valorizam transparência;
  • Maior confiança dos torcedores, que tendem a apoiar projetos que não dependem apenas de resultados imediatos.

Além disso, o sistema gera incentivos indiretos que favorecem os jogadores responsáveis. Por exemplo:

  • clubes que demonstram governança sólida tendem a conseguir negociações mais favoráveis com credores;
  • a transparência contábil melhora a previsibilidade de receita e gasto, facilitando investimentos de longo prazo;
  • a cultura de planejamento reduz a probabilidade de erros administrativos que já custaram caro ao Papão no passado. Esses são fatores que não influenciam apenas a tabela de resultados, mas a saúde institucional do clube nos anos seguintes.

Se o Paysandu encarar o fair play financeiro como uma medida de cerceamento, corre o risco de vê-lo como um ônus administrativo, o que seria um equívoco de visão. Em contrapartida, caso o clube adote 2026 como um marco para transformar a gestão de sua própria estrutura, os benefícios podem ser duradouros:

  • profissionais mais qualificados em financeiro e contabilidade;
  • processos internos mais robustos;
  • orçamento balanceado entre receita e despesas;
  • capacidade de construir equipes competitivas com base no que se pode pagar.

Esse tipo de transformação é exatamente o que distingue as instituições esportivas que sobrevivem de maneira cíclica daquelas que prosperam de forma contínua.

O fair play financeiro já demonstra, em outros países, que clubes bem estruturados tendem a ser mais duradouros e competitivos. No Brasil, onde há uma grande disparidade econômica entre os clubes, sistemas como o SSF têm o potencial de ser particularmente transformadores.

Para o Paysandu, o desafio agora não se resume apenas a competir na Série C, mas também a reformular a maneira como o clube é administrado. O fair play financeiro veio não apenas para estimular a organização interna dos clubes, mas também para recompensar aqueles que optam por enfrentar a mudança de maneira estratégica.

Isso indica que 2026 pode não apenas ser um ano de competição na Série C, mas também o ano em que o clube iniciou uma nova fase com uma gestão mais sólida, transparente e sustentável. Se o Papão encarar essa chance com seriedade, organização e disciplina, os resultados fora de campo podem ser tão significativos quanto as conquistas dentro dele.